segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Brasas, As – Sandor Marai

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Sandor Marai é O escritor Húngaro. Primeiramente porque eu não conheço outro escritor húngaro vertido para tantas línguas quanto ele, segundo pois ele escreve maravilhosamente bem, ainda que a angústia de seus personagens crie um universo sombrio ao nosso redor.

As brasas foi o romance proibido de seu país e só republicado 41 anos depois após sua morte por suicídio em 1989. Não é um mero detalhe que a morte brutal do autor, que atirou com uma espingarda em si mesmo, ressuscitou este romance que fala sobretudo do fim da vida e todas as mágoas que carregamos conosco. Contudo creio que o detalhe mais significante para desencavarem o romance foi a queda da União Soviética.

Em 1940 o general recebe um chamado de que, Konrad,  um velho amigo foragido há 41 anos irá fazer-lhe uma visita, logo sua mente começa a divagar sobre a vida que os dois tiveram juntos, desde a infância até o momento em que Konrad foge para os trópicos. A relação destes dois escapa de uma amizade comum, ultrapassa as questões sociais (o general é de uma família nobre e Konrad é de uma família pobre), e em dado momento até ultrapassa o Eros das relações humanas. Contudo no dia em Konrad fugiu um segredo foi desencavado e o general encontra-se em solidão permanente por 41 anos esperando o momento de sua vingança. Esta não será física e muito menos com ódio, mas sim com palavras e  com o amor traído que os dois homens tinham entre si. Em sua primeira parte podemos até ver elementos homoeróticos, contudo creio que Sandor está tratando da amizade em sua forma mais pura, um sentimento forte que pode unir os diferentes. Na segunda parte do romance com Konrad já na mansão o general vai utilizar toda sua retórica nas acusações e nas exposições de sentimentos. Qual o segredo que pode se arrastar por tantos anos nas vida de dois velhos acima do setenta?  Estas e outras questões vão ser a síntese do romance, revelar mais pode ser prejudicial a leitura.

A prosa de Marai é angustiante, até as últimas páginas você está hipnotizado por esta história simples mas que contem muitos dos laços humanos que cruzam em nossas vidas. Com certeza não foi por essa prosa existencialista que o livro fora encarcerado por quase 50 anos,  mas por um posicionamento explicitamente contra o socialismo soviético estampado no personagem de Konrad que se exilou no exterior por ser contra a guerra e as mudanças sociais na Hungria, que também está escondido nas entrelinhas.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

FITA BRANCA, Michael Haneke

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Uma das coisas mais tristes ao sair do cinema é ficar decepcionado com aquilo de que você esperava muito. Não me divirto nem um pouco quando tenho que vir a público e dizer que é um droga, ou que poderia ser melhor. Não é caso aqui, mas eu quero ilustrar que eu me divirto imensamente quando eu posso criticar nossa talentosíssima indústria de produção e distribuição brasileira. Vamos primeiro ao causo e depois a crítica.

Eis que minha pessoa sai ávida do serviço para ver o filminho em questão em um cinema lá na Vl. Madalena, quase que a sessão começa sem mim, mas eu chego a tempo de uma pequena exaltação de ânimos, digamos, na bilheteria. A razão meu olho já localiza. O aviso que está grudado na bilheteria informa “que o filme tem legendas brancas e é em preto-e-branco, o que pode vir a tornar difícil a leitura”. Lógico que se seu alemão estiver em dia você não notara, considerando que não sei nem pronunciar “danken” corretamente, meu comentário foi “ouch” com a esperança de que não tinham feito essa caquinha com o filme alemão mais importante do ano passado. A esperança é um característica exclusivamente humana, para o pessoal do Cine da Vila ter tido de colocar um aviso prévio eu  não devia nem ter pensado essa besteira. Vamos dizer que eles foram bonzinhos com a situação, pois em certos pontos de paisagem com neve ou do trigo aos raios de sol, imagens de uma beleza sublime, o narrador contando a história, e você apertando os olhos para distinguir branco no branco, o que  é mais uma prova da perseverança humana contra todas adversidades e são grandes narrações que ligam a história.  Os risos irônicos no cinema perante a situação pululavam enquanto você adimirava a fotografia do filme.

No fundo posso dizer que parece não ter me prejudicado, graças a um esforço de minha retina, alguma palavra ou outra que parece com inglês e ir pescando quando tinha um pouquinho de preto no meio. Essas técnicas me salvaram para entender a história, entretanto bota barbeiragem nisso! Não notaram que algumas partes são IMPOSSÍVEIS DE LER! Posso estar falando bobagem pois não sei nada da técnica de projeção, mas creio que se nós fomos a Lua, construímos as Pirâmides, criamos Lost e atravessamos todo dia São Paulo, dá para colocar uma legenda com cor ou algo do tipo. Certo?

A Fita Branca é o novo filme de Michael Haneke, o mesmo de Violência Gratuita, o que já nos diz que é um filme tenso. O filme ganhou os principais prêmios internacionais do qual participou (Globo de Ouro e Cannes) e só não digo que é o favorito ao Oscar de estrangeiro, pois ali é loteria, não tem lógica. A história se centra em acontecimentos estranhos em uma vila da Alemanha pré-guerra. Os acontecimentos que estarrecem a população local são crimes cometidos contra crianças durante o ano pré-Primeira Guerra. Do cavalo que tropeça em aram,e ao final do filme vemos uma galeria de personagens envolvidos em diferentes graus com a violência que contribuem para uma reflexão geral do filme. Temos uma família de cristãos, o pai um pastor que governa a família com punho de ferro e suas duas crianças Klara e Martin, em fase de adolescência, ou seja, em fase de rebeldia contra a ordem da casa. Ao redor dessas crianças circulam outras do colégio em uma espécie de clubinho, que coloca um tom macabro em suas aparições. Temos o Barão com o casamento ameaçado com a Baronesa. Eles simbolizam a aristocracia do vilarejo em franca decadência. Uma família de pobres proletários que são os primeiros a sofrer as consequência dos crimes. Há ainda a família médico, a filha que pode estar sendo abusada sexualmente, o filho menor, sua babá que é sua amante ocasional e  tem um filho com Síndrome de Down. O personagem principal é o professor do colégio da vila que assiste ao desenrolar dos acontecimentos nos narrando a história e ao mesmo tempo narra sua própria história de amor com a primeira babá do Barão.

Com tantos personagens estamos quase em um filme de Altman, e apesar de não se resolver o mistério ao final dos créditos de maneira usual com culpados e bandidos, temos uma impressão muito forte que as crianças do vilarejo estão envolvidas nos crimes . Não há muito espaço para se pensar em qual é a mensagem desse filme, ela é explícita quando se olha o todo. Como ele é narrado por um personagem, este filme nos dá uma visão dele sobre os acontecimentos e ele tem a hipótese que fica na cabela do espectador desde o primeiro frame, esta sempre contida em sua narração  “pode servir para elucidar muita coisa que ocorreu depois na história deste país”, e logo depois ele vem com uma outra resolução “pois eu deveria ter desconfiado da atitude estranha daquelas crianças naquela época”. Por si só este já é o ponto central do filme, toda a salada que eu descrevi serve em primeiro lugar para tirar o foco desta ideia que ele vai defender com toda força no final e depois para aumentar o grau de significação da história no ponto que a violência contra crianças é odiosa, mas temos com as demais histórias um grau a mais de violência entre a sociedade humana. Ninguém é inocente no filme. Há uma crítica a religião pesada, escondida nas entrelinhas, como se fossem os principais culpados e sobretudo ao véu de ignorância que colocamos nos rostos, fechar os olhos perante a monstruosidade e usar uma máscara em forma de fita branca para esconder os demônios de nossa selvageria. a fita branca é um disfarce que a sociedade cria para esconder e com o tempo ela se transforma com uma fita vermelha com a suástica no centro. Tudo que o filme mostra é uma alegoria do que estaria por vir, a obra de Haneke mostra que nós buscamos tudo aquilo que aconteceu em nossa sociedade ocidental, que nós buscamos todo o mal nos aflige e nesse filme ele foi ao limite desse pensamento e o mais incrível e´que é sua obra mais sutil, mais aberta, mas ao mesmo tempo fechada para outras interpretações.

Um dos grandes filmes do ano sem dúvida, mas seria melhor se a legenda fosse amarela, mas isso não culpa do Haneke.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

UM OLHAR DO PARAÍSO, de Peter Jackson

 

um olhar do paraiso Se você achou que após o mundo azul de James Cameron nada mais poderia te encantar na tela grande, o diretor mais visualmente impactante dos últimos anos não poderia deixar esta briga ser vencida tão facilmente por Cameron e fez do mundo colorido de Um Olhar do Paraiso uma outra experiência visual que o transporta em todos os sentidos para o drama de Susan Salmon, uma menina cruelmente assassinada na década de 70 presa entre sua vontade de voltar para casa e a passagem natural a um outro plano. Longe de ser o primeiro filme espírita do mundo, Um Olhar do Paraíso faz o que Peter Jackson mais se habituou a fazer, criar emoções a partir da fantasia.

A tarefa é quase uma loucura cinematográfica que vai deixar muita gente insatisfeita,  pois ele vai tentar combinar dois pontos muito distantes entre si. De lado a história é de um crime hediondo executado a sangue frio e muito próximo da realidade, e no outro lado a criação de um mundo de aquarela que simboliza o paraíso de Susan, belo em todos os sentidos e trágico ao mesmo tempo. Esse contraste é conduzido com um pulso firme, apesar de não funcionar todas as vezes não chega a prejudicar o andamento do filme. Susan (Saoirse Ronan, a menininha chata de Desejo e Reparação no caminho para ser um a grande atriz) é uma menina comum que adora tirar fotos e sonhar com rapazes, um belo dia voltando para casa encontra o vizinho Sr. Harvey (ótimo Stanley Tucci) que a assassina de forma brutal. A Partir daí ela vive em seu paraíso observando a vida de seus pais (Mark Wahlberg e Rachel Wiesz discretos) em meio a dor e o assassino já pensando em sua próxima vítima.

O filme tem partes tensas, contudo não espere cenas fortes como em a Troca, ou uma violência explícita, Jackson cria mais tensão com o andamento que dá ao personagem de Tucci, um assassino sangue frio revelado desde o primeiro minuto do filme, metódico e impenetrável. Ele passa o tempo rememorando os seus assassinatos, não tem um pingo de remorso ou de qualquer psique que demonstre o porquê de suas ações, ele é um psicopata tão distante do expectador que é assustador! Saoirse é o outro ponto forte do filme, muito mais encantadora do que sua última personagem em tela grande, consegue dar vida ao mundo imaginário de Jackson, que por si só é um show a parte. A história começa a tomar uma outra linha quando o pai de Susan começa a investigar por si só o assassinato da filha e devo dizer que um dos melhores atrativos é que a história vai tomar rumos que não são tão óbvios com o decorrer da projeção até seu final em narração que dá um sentido final a toda a viagem de Susan. Belo e trágico ao mesmo tempo, porém quase se incinera também no final.

Me parece (é só um palpite) que a produção, apesar de Peter Jackson estar no meio, ter  tentado aos 45 do segundo tempo mudar um pouco o final do filme para algo mais tradicional, e eis que no meio da narração final de Susan nos aparece um cena que não tem nada a ver com filme até o momento, quase um ato desesperado de tornar o filme mais acessível ao público e totalmente desnecessário e do ponto de vista artístico, uma barbeiragem total. Não é nada que destrua o filme, mas você sai com a noção de que não precisava ter visto aquilo. E eu convido vocês a verem o filme, e porque eu não quero dar nenhum spoiler, me digam se localizaram e se concordam comigo, enfim… continuando não é o melhor filme de 2010, mas é mais um trabalho competente do hobbit mais imaginativo da Terramédia, vale a pena o ingresso.