Uma das coisas mais tristes ao sair do cinema é ficar decepcionado com aquilo de que você esperava muito. Não me divirto nem um pouco quando tenho que vir a público e dizer que é um droga, ou que poderia ser melhor. Não é caso aqui, mas eu quero ilustrar que eu me divirto imensamente quando eu posso criticar nossa talentosíssima indústria de produção e distribuição brasileira. Vamos primeiro ao causo e depois a crítica.
Eis que minha pessoa sai ávida do serviço para ver o filminho em questão em um cinema lá na Vl. Madalena, quase que a sessão começa sem mim, mas eu chego a tempo de uma pequena exaltação de ânimos, digamos, na bilheteria. A razão meu olho já localiza. O aviso que está grudado na bilheteria informa “que o filme tem legendas brancas e é em preto-e-branco, o que pode vir a tornar difícil a leitura”. Lógico que se seu alemão estiver em dia você não notara, considerando que não sei nem pronunciar “danken” corretamente, meu comentário foi “ouch” com a esperança de que não tinham feito essa caquinha com o filme alemão mais importante do ano passado. A esperança é um característica exclusivamente humana, para o pessoal do Cine da Vila ter tido de colocar um aviso prévio eu não devia nem ter pensado essa besteira. Vamos dizer que eles foram bonzinhos com a situação, pois em certos pontos de paisagem com neve ou do trigo aos raios de sol, imagens de uma beleza sublime, o narrador contando a história, e você apertando os olhos para distinguir branco no branco, o que é mais uma prova da perseverança humana contra todas adversidades e são grandes narrações que ligam a história. Os risos irônicos no cinema perante a situação pululavam enquanto você adimirava a fotografia do filme.
No fundo posso dizer que parece não ter me prejudicado, graças a um esforço de minha retina, alguma palavra ou outra que parece com inglês e ir pescando quando tinha um pouquinho de preto no meio. Essas técnicas me salvaram para entender a história, entretanto bota barbeiragem nisso! Não notaram que algumas partes são IMPOSSÍVEIS DE LER! Posso estar falando bobagem pois não sei nada da técnica de projeção, mas creio que se nós fomos a Lua, construímos as Pirâmides, criamos Lost e atravessamos todo dia São Paulo, dá para colocar uma legenda com cor ou algo do tipo. Certo?
A Fita Branca é o novo filme de Michael Haneke, o mesmo de Violência Gratuita, o que já nos diz que é um filme tenso. O filme ganhou os principais prêmios internacionais do qual participou (Globo de Ouro e Cannes) e só não digo que é o favorito ao Oscar de estrangeiro, pois ali é loteria, não tem lógica. A história se centra em acontecimentos estranhos em uma vila da Alemanha pré-guerra. Os acontecimentos que estarrecem a população local são crimes cometidos contra crianças durante o ano pré-Primeira Guerra. Do cavalo que tropeça em aram,e ao final do filme vemos uma galeria de personagens envolvidos em diferentes graus com a violência que contribuem para uma reflexão geral do filme. Temos uma família de cristãos, o pai um pastor que governa a família com punho de ferro e suas duas crianças Klara e Martin, em fase de adolescência, ou seja, em fase de rebeldia contra a ordem da casa. Ao redor dessas crianças circulam outras do colégio em uma espécie de clubinho, que coloca um tom macabro em suas aparições. Temos o Barão com o casamento ameaçado com a Baronesa. Eles simbolizam a aristocracia do vilarejo em franca decadência. Uma família de pobres proletários que são os primeiros a sofrer as consequência dos crimes. Há ainda a família médico, a filha que pode estar sendo abusada sexualmente, o filho menor, sua babá que é sua amante ocasional e tem um filho com Síndrome de Down. O personagem principal é o professor do colégio da vila que assiste ao desenrolar dos acontecimentos nos narrando a história e ao mesmo tempo narra sua própria história de amor com a primeira babá do Barão.
Com tantos personagens estamos quase em um filme de Altman, e apesar de não se resolver o mistério ao final dos créditos de maneira usual com culpados e bandidos, temos uma impressão muito forte que as crianças do vilarejo estão envolvidas nos crimes . Não há muito espaço para se pensar em qual é a mensagem desse filme, ela é explícita quando se olha o todo. Como ele é narrado por um personagem, este filme nos dá uma visão dele sobre os acontecimentos e ele tem a hipótese que fica na cabela do espectador desde o primeiro frame, esta sempre contida em sua narração “pode servir para elucidar muita coisa que ocorreu depois na história deste país”, e logo depois ele vem com uma outra resolução “pois eu deveria ter desconfiado da atitude estranha daquelas crianças naquela época”. Por si só este já é o ponto central do filme, toda a salada que eu descrevi serve em primeiro lugar para tirar o foco desta ideia que ele vai defender com toda força no final e depois para aumentar o grau de significação da história no ponto que a violência contra crianças é odiosa, mas temos com as demais histórias um grau a mais de violência entre a sociedade humana. Ninguém é inocente no filme. Há uma crítica a religião pesada, escondida nas entrelinhas, como se fossem os principais culpados e sobretudo ao véu de ignorância que colocamos nos rostos, fechar os olhos perante a monstruosidade e usar uma máscara em forma de fita branca para esconder os demônios de nossa selvageria. a fita branca é um disfarce que a sociedade cria para esconder e com o tempo ela se transforma com uma fita vermelha com a suástica no centro. Tudo que o filme mostra é uma alegoria do que estaria por vir, a obra de Haneke mostra que nós buscamos tudo aquilo que aconteceu em nossa sociedade ocidental, que nós buscamos todo o mal nos aflige e nesse filme ele foi ao limite desse pensamento e o mais incrível e´que é sua obra mais sutil, mais aberta, mas ao mesmo tempo fechada para outras interpretações.
Um dos grandes filmes do ano sem dúvida, mas seria melhor se a legenda fosse amarela, mas isso não culpa do Haneke.
Um comentário:
Legenda branca é a Treva!
É a Treva Branca!
Há!
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