sábado, 19 de junho de 2010

EM LANZAROTE


“Nossa única defesa contra a morte é o amor”
I
Na manhã do dia 18 de Junho do ano de 2010 da era de nosso senhor, José de Sousa Saramago esteve a levantar mais tardiamente que o normal, porém com um vigor que não sentia a algum tempo é certo. O lugar da conjugue já está vazio mas morno o que indica que ela se levantara a pouco, então a demora não influenciara na qualidade do café. Se vestiu o mais simples possível, alias podia-se dizer que ainda estava em pijama. Uma vez que estando em sua casa a formalidade das vestimentas eram de sua ordem e de sua intimidade, ao qual participava a sua mulher, e tudo isso de ser facilmente comprovado pelo uso demasiado do pronome pessoal que estivemos a fazer até o momento. Se a roupa não era elegante em contraponto aos ternos usuais ao qual era visto quando estava em palestras ou simplesmente mandando todo o Estado do Vaticano ao livro do compatriota Antunes, ele sentia enorme prazer em utilizar a malha marrom que Pilar costurara especialmente para o frio de uma primavera distinta até momento, dedilhava a malha e lhe dava prazer em pensar no objecto ao se ver no espelho com o carrinho e simbolismo que ela carregava, crua, grossa e sem estampas como a velhice há de se manifestar nas formas de vidas. O óculos de aro e entes grossas, combinavam com a nova roupa, detalhe importantíssimo visto que sua fronte era quase inimaginável, podemos até dizer que o óculos já era a sua face. Assim finalmente vestido de Saramago ele desceu.
Na cozinha ao som do cantarolar, ou lento murmurar de Pilar sobre a mesa ele foi guiado, também havia um cheiro doce de waffles recém saídos do forno e a própria presença calorosa de sua mulher ao vê-lo pisar no soalho da cozinha. Deixemos os dois fazerem os rituais matrimonias de bom dias, beijos, carícias discretas e comentar sonhos, dores e planos, enquanto estes se arrumam na mesa como é natural. A deglutição do café da manhã após tantas décadas juntos é silenciosa e cheia implícitos construídos pela intimidades. Saramago se detêm a passar um pouco de mel que recebera dos amigos nos waffles morenos estendidos a sua frente, Pillar fica no suco e a contemplar o tempo pela janela da cozinha, um clima que hoje teve um aumento de temperatura grande para a época refletido na clareza do sol ao lado de fora, O verão deve estar a bater do lado de fora, ela o informa Saramago que achava o clima da manhã um tanto frio percebe por fim a clareza da manhã que tinha passado despercebido até o momento, Acordei e tudo estava mais quente, ele responde meio sem pensar e podemos e dizer até que essa informação desencontrada entre os dois essa manhã, pois olhando de maneira ela não acrescenta nada a frase outrora dita, ou seja seria papo-furado, mas José a emenda de maneira económica e brilhante, O calor estava inclusive na sua sombra deixada na cama, o verão está sempre aqui com você. O que provocou aquele olhar de desejo que em outras idades seria convidativo ao coito mas resultou naquele beijo discretamente apaixonado dá em seu lábios, um beijo sempre diferente e suave. Pois bem examinemos a frase, diríamos ele matara dois coelhos com uma escopeta, além de cortejar sua donzela, admitia que ela tinha toda e inteira razão, coisas que universalmente toda mulher desde os primórdios adora. O resultado além do beijo e que ela retira louça sem se demorar em discussões sobre as obrigações masculinas e femininas a respeito do café da manhã, enquanto ele se dirige a varanda aspirar o ar puro do dia coisa que sempre faz. Sigamos.
Ao chegar a sua espreguiçadeira pensou na chegada do verão que se estendia a sua frente, tomou um sorriso ao ver o bule e as xícaras estendidos na mesa de centro. Toda a manhã via aqueles apetrechos deixados propositadamente a sua disposição, mas sempre se surpreendia com essa mulher que a tanto tempo vive e que cantarola de maneira contida a sua felicidade. Sentou-se e se servir do café fresco enquanto olhava para o horizonte pensava em suas ideias que acordaram com tanto vigor quanto ele: O tema da falta de filosofia no mundo, as possibilidades reais da eleição Portuguesa na Copa, o que renderia uma boa cronica sobre a mentalidade lusitana em esportes, e também pensava agora sobre um novo romance em que o verão não acabaria nunca. No meio dessas divagações o xícara lhe pesou o pulso e ele deixou derrubar um pouco do café no chão, o que iria lhe render algumas broncas de seu amor, mas logo essa intermitência a postura da mão cessou e ele levou com rigidez xícara ao lábio aproveitando uma manhã de lucidez solar.


II


Sua visão por detrás das grossas lentes se concentraram a um vulto negro que crescia no horizonte, não sabia se era um bicho, um carro ou um homem mas vinha em direcção a sua casa. Poderia ser um motivo de comemoração, por ser uma ilha Lanzarote não tinha muitas mudanças na rotina adjacente dos dias. Ao mesmo tempo a porta de sua casa abriu e estranhamente José intui pela falta de música ou pela vivida distorção que Pilar trazia que não era ela quem saia para fora de sua casa. Ao olhar meio de lado, meio para trás, viu um homem de barba longa e branca, com um sorriso bonachão se dirigindo a ele, esse senhor, mais especificamente o senhor, conhecido como deus às vezes, estava em pé em seu recinto sem pedir licença, ou por favor, e ainda se dirigindo para invadir a espreguiçadeira ao seu lado. José até pensou em protestar mas é sabido que este se denomina senhor-de-todas-as-coisas, portanto não havia muito o que fazer para com essa situação que resultou na completa apropriação da espreguiçadeira a direita.
Você, E você, respondeu o senhor completando, Vim te ver pessoalmente nesse, Para qual razão, Nenhuma exactamente, estive entediado nesses dias, sabe-se que é chato ser moderno, mas não sabe como é chato é ser eterno, Aí você começa a plagiar passar o tempo. O senhor ficou meio sem graça com a afirmação, pois tinha quase certeza que o autor português não conhecia o poeta brasileira, mas ele já tinha se equivocado antes e ainda sabia ser esperto, Bem que queria homenageá-lo pois depois de Drummond as letras lusitanas se curvam a Saramago, por isso vim a essa jangada de pedra, Sei, disse Saramago ignorando a última e fraca homenagem, Pois saiba que tentei diminuir seu prestígio, há alguns anos soltei um Lobo atrás de você e até deu certo em dado ponto de vista, Por acaso o que aconteceu hoje foi tem algo a ver com ele, disse mostrando o bule de café o que fez o senhor falar atrapalhadamente, Não, não, apesar de ter tentado mais práticas depois de 1991 havia algum tipo de força divina conspirando contra. O olhar indagador do português foi seco e duro para o senhor que continuou fingindo não perceber a contradição, Enfim seu compatriota fez coisas muito piores, O que seria, Foi ficando mais hermético e Cult, então Saramago ri pela primeira vez do senhor.
O ponto escuro já tem a silhueta de um homem e anda com força tal como um viajante, logo ele chegara o senhor ignorando continua sua narração, Aí eu tentei em minha onisapiência enviar algo mais controlável, e mudar de estratégia com um Coelho, Dos nossos nada folgados primos de língua, disse Saramago já estendendo a gargalhada, Exatamente, só que esta foi minha perdição, Sério, Sim, ora pois cravou a lápide, Achei que tinha sido o filósofo alemão, Não até somos amigos agora, a coisa começou a dar errado com um sujeito chamado Kardec que driblou minha onisciência e esse coelho só ajudou, Mas ele não tem nada ver com isso, É quase a mesma coisa, Discordo, Lógico que discorda e agora estou aqui e não sei o que fiz de errado, Que tal total displicência, julgamentos estranhos, regras estranhas, pragas, peste, guerras, Ei, espere um pouco, isso tudo é culpa de vocês, mas talvez eu tenha me desligado um pouquinho e todos podem errar uma vez ou outra. Saramago o olha com olhar irónico e lhe estende uma outra xícara com café, o senhor aceita com um sorriso, alias parece que o senhor só consegue rir actualmente.Então eu ganhei, Não vamos ser drásticos como eu te disse eu nem estou no ringue.
O viajante chega portanto uma mochila em suas costas, mas utilizando um terno irretocável, cabelo curto e anoréxico, se distinguia por um pequeno bigodinho que deveria ser moda antes da segunda guerra, parecia fadigado quando entrou na varanda como o português dos aventureiros, Bom dia, ele disse meio sem fôlego e foi respondido por dois bom dias mais descansados, Sente-se homem o que o traz a essa ilha, disse Saramago e foi prontamente atendido pelo não-tão-estranho personagem se jogar na escadinha em descanso, Trago notícias do mundo exterior, Quais as notícias meu velho, já o reconhecendo como um antigo amigo, este começo a narrar, O mundo paralisou por um instante, as pessoas debruçam em memórias e sentimentos esquecidos, as palavras dos livros ecoam novamente pelos sarais das ruas, a modernidade, minha velha amiga, fala por todas as mídias, por todas as línguas e idades, pequenas memórias invadem mentes alheias até dos desconhecidos, pequenas homenagens em por todas as canetas, há um buraco na alma de quem o conhecia, e há inda naqueles que nunca o viram pessoalmente, o mundo chorou esta manhã pois o escritor morreu. E todos ficaram em silêncio com aquelas palavras do poeta até o senhor quebrar o silêncio, Me dá um pouco de inveja essa atenção como se chama moço, Álvaro Campos e o senhor é, Senhor senhor, Ah sim... Eu trago notícias da modernidade ao meu velho amigo José, E como vai aquele mundo lá fora, continuou o senhor enquanto Saramago debruçava em pensamentos, Mesma coisa de sempre mulheres parindo, pessoas padecendo, jabulamis criando vítimas ali e guerras criando corpos acolá, É assim que tem que ser, completou Saramago, Eles não sabem o que fazer, tentou parecer poético o senhor e fora um pouco mais subtil dessa vez, o autor português para variar entrou em discordância, Claro que dá, enquanto houver palavras e histórias ainda temos ferramentas para solução, disparou, Meu velho amigo eu discordarei de novo, E eu vou ganhar de novo, A atenção é passageira, assim como as histórias e livros , A memória não. Álvaro sentindo o clima mudar tira da mochila um tabuleiro quadriculado,colocando em cima da mesa de chá, Por que vocês não resolvem isso de maneira mais prática, propondo isso tira pequenas tampas da mochila em seguida o que agradou muito o senhor que já estava colocando as damas pretas em seu campo de batalha, Saramago saiu da posição de descanso e pegou as remanescentes, Agora sim eu vou provar para você, E Pilar, perguntou o senhor, Está bem, Sentira sua falta, Eu sei ela me ama, Não quer vê-La, Não ela me ama, Eu posso tentar algo, podíamos fazer um acordo, Saramago ao colocar todas as suas peças posicionadas, ajeita o óculos olhando para o senhor e diz contemplando a expectativa de Álvaro, Vamos jogar damas, ela me ama é o que basta. O senhor juntou as mãos em alegria ao ver que as peças eram firmes e boas para o desafio.
Corre o espectáculo do mundo lá fora e os dois provavelmente estão jogando e discutindo, a única coisa que se sabe de ciência certa é que continuaram a discutir até então. Apesar de não haver mais nada o que contar as histórias nunca acabam de todo, as notícias que Álvaro trouxe se debruçam continuamente no papel e tudo isso ocorreu no dia 18 de junho em Lanzarote.

 

Por Rafael de Souza Menezes

jose-saramago

Adeus ao mestre, uma pequena homenagem a tantas outras que somam ao redor do globo. 87 anos de lucidez.

Um comentário:

bones disse...

estou deslumbrada e orgulhosa.
Meu filhote É um escritor fantástico !
Me fez chorar de novo pirralho!