segunda-feira, 19 de outubro de 2009
CAIM, José Saramago
“O leitor leu bem, o senhor ordenou a abraão que lhe sacrificasse o próprio filho, com a maior simplicidade o fez, como quem pede um copo de água quando se tem sede, o que significa que era costume seu, e muito arraigado. O lógico, o natural, o simplesmente humano seria que abraão tivesse mandado o senhor
à merda, mas não foi assim. Na manhã seguinte o desnaturado pai levantou-se cedo para pôr arreios ao burro (...)”
Será que Saramago está bravo? Em entrevista no lançamento do livro há pouco menos de uma semana ele xingou o papa, a Igreja e disse que sempre fora um “ateu pacífico” agora pensa em ser um ateu irritado. Bem se ele está assim somente pensando em ser um ateu bravo , não imagino o que ele vai escrever quando explodir mesmo. Caim é seu livro mais pesado em termos de ataque as ordens clericais e também um dos mais engraçados em suas tiradas irônicas e cínicas. O livro escorre veneno ao seu final.
A história é bem simples, se em o Evangelho ele se propôs a contar a vida de jesus Cristo segundo Saramago aqui ele vai contar o Antigo testamento segundo Saramago, do início ao dilúvio. A técnica é similar se em o Evangelho ele reinterpretava tudo não alterando os princípios da cristandade, nem dos milagres, nem da existência de Deus e ao mesmo tempo ele inverteu o significado da história. Aqui ele vai de evento a evento mostrando tal qual está escrito mas criticando as atitudes de Deus, construindo um personagem ambíguo e cruel. Para isso ele usufrui de Caim, aquele que amtou seu irmão como personagem a ser transportado, sem muita explicação, para o passado e para o futuro discutindo e criticando as ações de seu criador, e chegando ao final além de muar a história (sim, dessa vez ele muda), constitui uma alegoria o homem, em Caim, que estará sempre a discutir com Deus.
Não se enganem, Saramago condena todo mundo nesse livro, não é que Caim seja bonzinho ao final, ele realmente mata o irmão todos tem suas contas a agar para o bem ou para o mal Noé, Abraão, Job, Sodoma, sobra para toda a humanidade e para o senhor e satã também, onde é crítica é sobretudo a bondade e misericórdia do senhor, pronto para mandar para destruir qualquer um que o desafie.
Creio que a sutileza e esperteza do Evangelho é mais revolucionária e genial que este Caim que Saramago apresenta, que é novamente seu livro mais pesado em termos de imagem, se Jesus era iniciado no amor por Maria de uma maneira poética no Evangelho, aqui Caim e Lilith se entregam a uma volúpia digna dos melhores relatos eróticos. Se o humor era pontuado com tiradas e inteligentes, aqui elas continuam a cada página como por exemplo quando o senhor diz que não pode parar o sol porque ele está parado e é a terra que se mexe, e job quase enfarta, ou quando caim está em seu burro e o narrador diz que vai ser difícil por estar de jericó e não guia michelin. É uma sátira hilária. E se a força da crítica se construia pela soma das partes no evangelho em seu final, aqui ele é escancarado em suas críticas, em cada caso visto por Caim ele se pergunta por que aquilo e não de outra maneira, que são no fundo as dúvida de toda uma humanidade. Ao final Caim atua como juiz de toda a humanidade e seu julgamento não será tão diferente de seu criador, mas será de modo a contrariá-lo. No fundo não há grandes diferenças entre criador e criatura e a briga será eterna. Mas como é bom ler Saramago na sua velha forma, a trinca Pequenas Memórias, Viagem do elefante e Caderno, pareciam estar demonstrando um escritor cansado, mas esse livro mostra que ele está mais ativo que nunca.
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