quinta-feira, 15 de outubro de 2009
NO TEU DESERTO, Miguel Souza Tavares
“mas foi então que percebi que não era apenas tu que me protegias, mas que também eu tinha que te proteger: também tu precisas de mim ao teu lado, das minhas conversas ou do meu silêncio; dos nosso risos e gargalhadas ou dos nossos puros (...)de minha mão, quando estendias a tua só para sentir que não estava sozinho”
Dois estranhos vão ao deserto do Sahara por 40 dias, um jornalista de 36 anos e uma jovem que apresenta seu chefe. As opções serão se aturarem ou se apaixonarem. Pode parecer tosco mas é no fim muito interessante, pela maneira como ele articula seu texto começando da seguinte forma:“(No fim tu morres, no fim do livro, tu morres. Assim mesmo, como se more nos romances, sem aviso, sem razão, a benefício apenas da história que se quis contar. Assim, tu morres e eu conto. E ficamos de contas saudadas)”. E mata-se qualquer possibilidade de leitura em que você pense que vai haver um final feliz. Porém como somos esperançosos por natureza, a frieza dessa afirmação, associada ao fato de que não há outras menções de como ou porque ela morreu, nos engana no final.
Miguel também faz um livro deliciosamente engraçado em seu princípio, quase como uma narrativa de aventura em que os personagens vão de uma confusão a outra, isso só para entrar no deserto nas primeiras 60 páginas. Tudo contado com uma polidez narrativa e racionalidade impregnada por nosso narrador que vai contrastar quando Claudia começa a falar assim que eles entram no deserto confundindo as vozes narrativas e ressuscitando a dita cuja.
O narrador tem algo mais racional, Claudia vem ao texto para acrescentar emoção a passagem pelo deserto e a cenas previamente descritas, e para demonstrar com ela também amava o narrador
Em torno dela essa narrativa tocante percebemos ao final no fundo é uma história sobre perda, não diretamente em função da morte, mas sim em função de oportunidades perdidas em nossas vidas. Por mais que ele tenham passado um ótimo tempo junto, visto tempestades de areia juntos, dormido na mesma barraca quando por vezes entrelaçando os corpo, estamos diante de um amor que não foi consumado no texto, na qual os dois personagens olham para trás e até entendem o que não os motivou a continuar, as razões que submetiam a emoção, mas olham com um certo pesar por não terem tomado um rumo diferente.
Poeticamente Claudia se torna o deserto e saudade, e o assombro perante a morte só realmente nos pega nas últimas páginas da novela, quando tanto ele quanto nós, nos damos conta da verdade como ela está diretamente ligada a nossa vida real (quem nunca teve alguém que descobriu ter falecido e o pior é descobrir quase por acidente). Miguel Souza já pode ser colocado com seus conterrâneos Saramago e Antunes no panteão dos grandes escritores portugueses, o que comprova a grande fase que a literatura portuguesa atravessa. Vale a leitura e releitura.
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