"Elementar meu caro Watson" não é proferido nenhuma vez, Sherlock arrebenta a cara de dois gorilas logo no início da película e sua arrogância e sarcasmo pululam nesta encarnação do personagem por Robert Downey Jr. Com certeza esse não é o Sherlock Holmes que você conhece muito menos que eu conheci, Entretanto quem se aventurou a conhecer a obra original de Sir Arthur Conan Doyle se alumbrava ao descobrir um Sherlock também diferente das transposições cinematográficas. O Sherlock de Doyle é muito mais introspectivo, usa drogas e está muito mais para o nosso tradicional anti-herói do que para o símbolo de boas virtudes, mas o que podemos esperar de alguém que se diverte memorizando cada tipo diferente de terra nos arredores de Londres?
Talvez por isso essa adaptação fosse tão aguardada, uma promessa de fazer um filme mais próximo do ideal do detetive estranho criado há dois séculos e também porque o último grande filme com Sherlock Holmes do qual me lembro se centrava em sua infância e passa na Sessão da tarde (logicamente picotado), contudo fora uma superprodução para a época e uma reinvenção inteligente do personagem, o filme foi o Enigma da pirâmide. Desde então não havia uma superprodução como a que foi designada para este filme que, alias, já está pronto há mais de um ano.
A abordagem segue uma fidelidade estrutural na obra de Doyle e em certos personagens, mas com a já habitual necessidade de adaptar a novos tempos (e leiam-se aí adolescentes), o filme ganhou ares mais modernos em seus protagonistas, e em especial no personagem de Sherlock que afasta a imagem do detetive velho, fechado e anoréxico e entra o galã da meia idade redescoberto Robert Downey Jr, forte e sarcástico. As mudanças já eram previstas na pré-produção sendo que quem abraçou o projeto foi o bad-boy Guy Ritchie, que para quem não conhece é o ex da Madonna e é o Quentin Tarantino inglês, o que já demonstrava o caráter dirty real estético e ação incessante que o filme iria ter. Quando saiu o trailer já se comprovou tudo o que era pensado a respeito, Sherlock Holmes estava de volta em grande produção e em um filme que vai reintroduzir o personagem na cultura pop. Mais afinal de contas, o filme é bom?
Sim ele é. Temos três situações distintas: Se você é um ignorante no assunto vai encontrar um filme legal em que vai se divertir bastante com a história e química entre os dois personagens. Se você conhece um pouco do universo e sabe que Baker Street não é uma novela tosca do Jô Soares, e sim a rua em que Sherlock incomoda a todos com seu violino, mais precisamente no 221b, você vai gostar de ver a nova versão e ver a série de citações e homenagens ao universo de Sherlock, estão todos no filme até mesmo o Moriarty. Se você é do Hard core fan-club (e eu não sabia que existiam tantos), você vai achar que faltou algo no filme, e será o Sherlock Holmes dos livros, pois a transposição interessante de Downey se parece mais com ele do que com o personagem clássico.
A trama é relativamente simples, sendo que as complicações estarão ligadas aos mistérios do sobrenatural que Lord Blackwood (Mark Strong, em papel bem simples) expõe na tela. Sherlock já começa indo atrás do vilão e o prendendo por múltiplos assassinatos envolvendo magia negra, após a morte deste por enforcamento o mistério continua, pois ele volta dos mortos e os assassinatos continuam, aumentando sua fama e o medo em Londres. A isso se junta os problemas de relacionamento entre Watson (Jude Law muito bem) e Holmes, já que Watson está partindo para a ventura do matrimônio e Irene Adler (Rachel MacAdams), o grande amor da vida de Holmes reaparecendo o que significa mais problemas.
É um filme que se centra muito mais no contraste entre a ação ininterrupta e a comédia inteligente de Ritchie, que não consegue fazer nada próximo do drama, mas não passa disso também. Creio que seu único defeito está na parte estrutural, que ironicamente foi a transposição mais fiel da estrutura dos livros, pois quando chegamos ao final da projeção em menos de cinco minutos Holmes resolve todos os mistérios do Lord Blackwood, em uma verborragia à la Robert Langdon, que pode deixar muitos espectadores, com o olhar “what a fuck?”, pois as resoluções são bem inventivas. O que funciona muito bem no livro, no cinema fica maçante, porém é só um detalhe. Vale o ingresso para pura diversão.
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