segunda-feira, 12 de julho de 2010

VERÃO, Coetzee, J. M.

verão Não senti nenhum prazer em ver aquela perplexidade, aquele desamparo. Eu não gostava da presença dele no salão. Era como se estivesse nu: um homem dançando nu, que não sabia dançar. Eu queria gritar com ele. Queria bater nele. Queria chorar.
[Silêncio]
Não era essa a história que o senhor queria ouvir, não é?(…)Bom não estou dando o seu romance, estou dando a verdade. Talvez verdade demais. Talvez tanta verdade que não haja espaço para isso em seu livro. Não sei. Não me interessa.

A verdade é a busca que o narrador Vincent (? seria um narrador?) faz ao entrevistar 5 pessoas distintas para compreender um pouco da vida John Coetzee na década de 70, antes de se tornar um escritor famoso. Vincent nunca encontrou Coetzee pessoalmente e agora que está morto os relatos que transcreve são seu único om o enigmático escritor. Sim meu caro leitor, você não leu errado ou este crítico de blog tomou substâncias alucinógenas hoje, John Coetzee… no novo livro escrito por John Coetzee. Para quem é marinheiro de primeira viagem pode estranhar, mas quem conhece a obra desse escritor fantástico sabe que essa é ponta iceberg.
Fiquei em dúvida de colocar uma outra citação do livro em que Vicent compara a dificuldade de se distingui nos cadernos de Coetzee o que é realidade e o que é ficção, pois com mais um transcrição literal e a Cia. das Letras pode me processar.Contudo eu acho que essa análise auto referência é a chave do enigma para se compreender a obra deste escritor. Seu livro mais extraordinário traz pouco das inovações estéticas usuais, Desonra, pode ser visto como a narrativa mais tradicional de Coetzee ao mesmo tempo que opera sutilmente nas feridas do Apartheid e questiona a moral de certas convençoes sociais, ainda é seu trabalho mais primoroso. Entretanto ele é conhecido ainda mais por mesclar pensamentos sociais a narrativas de romance como em Elizabeth Costello, Vida dos Animais, Terra de Sombras, etc. ou por fazer experiências estéticas radicais como mesclar três histórias diferentes na mesma página durante um livro inteiro em Diário de um Ano Ruim, ou por essa auto referência que está longe de ser falta de originalidade nos livros Infância, Juventude e nesse recente, que fecha a trilogia, Verão em que ele simplesmente se mata e faz um retrato de si por meio de outros onde acaba a realidade e começa a ficção é difícil dizer.
Vicent entrevista cinco pessoas e tem cinco retratos mais alguns fragmentos de uma caderno de Coetzee. Julia a primeira entrevistada narrada um caso de amor adúltero com Coetzee, Margot sua prima se centra no relacionamento de amor platônico desenvolvido por eles e mais especificamente na reunião da família em que tudo deu errado, Adriana ( a voz do fragmento acima) narra como o desprezava por ele perseguir tanto ela como a filha na opinião dela, Martin um colega de profissão e Sophie narram as visões políticas e críticas que John tinha pouco antes da publicação de Terra de Sombras. Os Fragmentos se centram na relação dele com o pai.
O incrível deste romance é como o autor gosta de bater em si mesmo. Tantas visões diferentes que são mostradas mais algumas imagens são recorrentes como a imagem de um homem desprovido de virilidade, da solidão que ele enfrenta, do simulacro de um homem oco em que todos os personagens são mais fortes que ele. Todos os entrevistados se perguntam como ele pode ter sido um grande escritor se era tão decaído? Talvez a resposta para pergunta esteja nas nossas mãos ao ver como ele consegue mudar tantas vezes o estilo da narrativa na voz de cada personagem. A veia mais forte do romance é a autocrítica da obra de Coetzee mas muitos fragmentos de relações amorosas (desastrosas) e fraternas, sendo o pai que mora com John o personagem secundário mais forte para se compreender a solidão a qual ele estava mergulhado na década de 70.
O livro é uma autobiografia, uma autocrítica tanto no nível pessoal quanto no estético, uma auto referência a obra inteira e depois de Diário de um Ano Ruim não imaginava que ele fosse fazer algo mais louco, mas é bem mais pois necessita de um nível de afastamento muito grande. Poderíamos dizer que também é bem pretencioso, mas vindo deste autor sempre será e ele sempre consegue fazer direito. 

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