domingo, 4 de julho de 2010

VOZES DO SOTÃO, AS – Paulo Rodrigues

vozes_do_sotao “Ela me arrancava dento de mim e desviava minha atenção para uma névoa densa que se espalhava pelo quintal (…) Embora calmo, não dava por termina a contenda, pois me sentia poderoso e forte depois de um embate como aquele. Forte o bastante para esfolar um vira-lata, ou para acorrentar no porão da casa o miserável corpanzil de uma negra velha”

O trecho acima demonstra a tensão da narrativa deste trabalho curto e preciso, Vozes do Sótão, é um dos melhores livros lançados atualmente. A história centra-se na figura de Damiano, uma pessoa que desde pequeno escuta uma voz em sua cabeça que é a sua maior companheira e ainda o faz fazer coisas que ele nunca revela. O livro é dividido em duas partes, a primeira “Estrume” é a mais fragmentada em que ele vive todas as épocas ao mesmo tempo, a segunda tem um desenrolar fluído, já que se centra em uma parte específica de sua vida, quando viveu no Uruguai. O livro exige bastante do leitor para se acostumar com fluxo de consciência que é desenvolvido, entre idas e vindas, ao longo da jornada.

Uma das primeiras coisas que notamos é que haverá auxílio para entender a vida de Damiano e do ele está falando, representado por um outro narrador (sim. esse livro é moderno e tem dois narradores) alguém que está investigando os cadernos de Damiano e entra a todo momento da história para explicar o que está acontecendo objetivamente. Essa segunda voz é genial, pois permite que se  desenvolva a personagem de Damiano, na voz do próprio, e ao mesmo tempo resume toda a vida deste em poucos parágrafos, fato que o próprio Damiano diz ser incapaz de fazer no começo do livro por não ter objetividade.

Segunda coisa é observar como ele é um personagem totalmente destruído pela família, a mãe o chamava de estrume, o irmão o odiava, não tinha amigos e sua única paz era se esconder no sótão onde começa a ouvir a voz e guardar bugigangas de um passado melhor. Para escapar da família ele casa com um moça que será sua perdição, traindo-o constantemente e brincando com seus sentimentos, até ele dar um basta na situação e se mudar para o Uruguai, onde começa uma segunda parte ainda mais intensa e um pouco mais linear.

A voz narrativa de Damiano cria muita tensão em suas linhas porque a violência de suas palavras não param, em todo momento ele evoca mortes, palavrões e sentimentos reprimidos dentro de si. Imagens fortes como a evocada no trecho pululam no texto. Contudo quando analisada de maneira linear, a historia de Damiano acaba sendo a historia de uma vítima constante, em nenhum momento ele evoca as maldades que comete, (será que cometeu?) nem mesmo a voz do segundo narrador explicita alguma coisa referente a alguma maldade adormecida em Damiano, ela só se limita a dizer que fez “coisas horríveis”. Essas insinuações nos fazem cogitar diversas coisas desde a veracidade do relato, até preencher pontos da história que estão obscuras com nossas próprias ideias.

Dentro do que é mostrado pelo texto é certo que o personagem é um indivíduo castrado emocionalmente, que sofre males de pessoas que querem e vão se aproveitar dele. Tudo o mais são artimanhas do texto que operam de forma subliminar em nossas cabeças, como uma voz dentro de nossas cabeças.

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