domingo, 20 de março de 2011

A última sessão de Cinema: Queimada

belasartes2010

 

Depois de uma briga muito bonita desde o começo do ano, vindo desde a perda do patrocínio há mais ou menos um ano, o Belas Artes fechou suas portas na última quinta-feira. Frequentador do lugar há alguns anos, já tinha escrito com muito pesar meus sentimentos para com o ocorrido. Logo após, o início da ação de tombamentos, as sucessivas manifestações e reuniões entre o proprietário e André Strumm indicavam um horizonte de paz. Entretanto a ação será votada mês que vem, as ações continuam e não houve acordo entre as partes. Sendo que o fechamento ocorreu na madrugada do dia 18.

A última noite do cinema foi acompanhada por clássicos, choro dos funcionários e um encontro de cinéfilos freqüentadores do lugar que abrangiam todas as idades possíveis. Os senhores e senhoras que provavelmente virão o cinema abrir, até adolescentes ainda trajando a roupa do colégio. Algumas personalidades famosas cedendo entrevistas a todas as emissoras presentes (e eu creio que foram todas mesmo), algumas pessoas tímidas com o semblante de tristeza que acompanhou o tom da noite. André diz que queria fazer o festival “para não fazer deste dia um dia triste, mas mais uma homenagem ao cinema”. Em todo caso era difícil não lembrar que aquela era “última sessão de cinema”. muito triste, mas o plano segundo o mesmo é esperar o tombamento e se o proprietário do imóvel quiser reiniciar a conversa, eles estariam dispostos. Se o tombamento não sair já se está cogitando outros espaços para receber o cinema. E encerrou seu discurso dizendo “O Belas Artes não vai acabar”. Eu acredito e imagino que todo mundo aplaudindo na sala de cinema também. Dito isso fomos ao u´ltimos filme. Escolhi para ver Queimada (1969) de Gillo Pontecorvo. Apesar da excitação de ver Doce Vida na tela grande ou O leopardo, quis me arriscar em algo diferente. E não poderia ter sido melhor o diretor de A Batalha de Argel, criou um filme extraordinário que eu vou colocar também na categoria de esquecidos, pois merece ser mais visto.

queimada

Sendo Gillo diretor sobre do célebre documentário o ponto de vista dele sempre é político e esse não seria diferente. Marlon Brando (o grande) loiro e com sotaque inglês, interpreta William Walker, um oficial britânico muito interessado em um ilha fictícia no Carie, chamada Queimada, a ocupação é portuguesa e o regime é escravista. Como na história oficial, na época Portugal continuava com seu regime feudal nas colônias e a Inglaterra era seu inimigo marítimo. William tem a missão de incitar uma revolta entre os escravos para primeiramente tirar o Estado português da jogada, depois para criar um estado nacional que negocie a venda de açúcar com a Inglaterra, por meio de mão de obra assalariada.

O personagem de Brando por meio de uma intervenção indireta, acha na figura de José Dolores (Evaristo Márquez) um instrumento para liderar uma revolução contra o Estado, ao mesmo tempo em que convence os políticos da região a declarar independência. Alguns confrontos e discussões depois, Queimada é declarada livre, os aristocratas do país criam um governo e os revoltosos de José Dolores se tornam trabalhadores assalariados. Nessa primeira parte do filme é muito interessante ver como o pensamento se desenvolvendo e a construção do revolucionário por meio de José Dolores, que de carregador se torna um ladrão d bancos, líder uma milica e depois de um exército. Ele acaba se afastando do governo por não saber o que fazer e esse talvez tenha sido o seu pois o filme tem uma segunda parte mais sombria.

10 anos depois William Walker volta a Queimada com uma nova missão, matar José Dolores, pois apesar da organização social ter mudado em Queimada e não existir mais um regime escravista, a discriminação e condição de sub-vida  continuava a existir o que criou uma nova revolta, agora uma guerra civil  no país. Aí Gillo utiliza todo o seu estilo documental para demonstrar a guerra que se instala por motivos comercias. Pois além da guerra, não há trabalhadores nos campos de cana-de-açúcar. Antes amigos, agora inimigos, com uma grande diferença William tem recursos e é uma estrategista, contra homens que só tem a coragem como forma de resistência: É um massacre.

William de Marlon é um vilão, ou anti-herói clássico. Você adora ele, mas suas atitudes são terríveis. José Dolores é o herói de formação, corajoso, um tanto inocente e lutando uma guerra. É um filmaço, extremamente sombrio, extremamente real e principalmente para nós é um filme que mostra como a sociedade ocidental, construída sobre o escravismo e exploração, é uma barbárie mais controlada, mas ainda é a barbárie. Em certos pontos podemos ver no personagem principal as ideias e críticas de Gillo Pontecorvo claras como a luz: “A civilização no momento é governada pelos brancos. Saiba usá-la José”; “o que é mais prático? Uma mulher ou uma prostituta? A mulher você tem que dar casa, comida, carinho, atenção. A prostituta você só paga pelo serviço quando quer pelo tempo que quer. O que vale mais uma sociedade com escravos ou com trabalhadores?”. É duríssimo ver essas frases e entende-las pois alguns conceitos estão enraizados no pensamento ocidental de maneira quase impossível de se apagar.

Então o que vale mais? Um cinema com acervo cultural ou uma loja qualquer? Nosso bom senso cultural com certeza nos faz escolher a primeira opção, mas não se enganem nós somos no final poucos, também conheço uma porrada de gente que não se importa de perder esse cinema desde que haja um bom negócio envolvido. O tombamento não é certo e devemos torcer para. O cinema não deveria fechar, mas o está fechado simplesmente porque alguém vai pagar mais pelo espaço na Consolação. Se é 1 real ou 500 mil dólares independe. Um cinema está morrendo por um interesse comercial que vem desde a colonização de exploração que este filme retrata com realismo exemplar, é o mesmo pensamento atualizado. Que o Belas Artes vai continuar existindo eu não tenho dúvidas, mesmo que em outro endereço, mas a questão é mais longa pois se ele mudar a briga foi perdida, a cultura perdeu mais uma para o Dinheiro, e isso não devemos deixar. Para todos que ainda estão se manifestando á respeito eu continuo firme no pensamento: TOMBAMENTO JÁ.

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