domingo, 26 de julho de 2009

LEITE DERRAMADO, Chico Buarque



“Mas se com a idade a gente dá para repetir certas histórias, não é por demência senil, é por que certas histórias não param de acontecer em nós até o fim da vida”



Um homem agoniza em seus derradeiros momento em um hospital, seu nome é Eulálio e sua idade é avançada, suas memórias são contadas a algum personagem que pode ser tanto uma das enfermeiras, a filha, a neta, ou qualquer um que ele cita ser o interlocutor de seu monólogo, sendo que o principal, somos nós, os leitores do novo romance de Chico Buarque. Esse é o plot de Leite derramado, o título mais bonito do autor, que revelou que detestou o título.
O fragmento acima mostra  todo o brilhantismo do livro. Suas lembranças são aleatórias, repetitivas, com um misto de alucinação, não no sentido surrealista do termo mas na perspectiva que a realidade está em permanente remolde. Temos uma ideia central que é toda vez colocada em destaque no jogo, o destino de Matilde, a falecida mulher do protagonista. Quase a todo capítulo ele reconta como conheceu ela na Igreja e como ela desapareceu em uma noite qualquer...
Aos poucos também somos apresentados aos outros protagonistas: Dubosc, um Escobar moderno, Maria Eulália, a filha que não liga para ele, e neto que se desdobra em bisneto e tataraneto.
Somente no final você consegue delimitar quem fez o que, por que uma coisas mais interessantes do livro é seguir por sua leitura, redescobrindo ou desvendando os mistérios da linhagem dos Eulálios, grandes nobres reduzidos a um homem destruído em todos os planos, agonizando em um hospital prestes a ir para o hospital público (ou já está lá e não sabe?) coisa que ele tem temor, o que é o mais interessante em Eulálio é como ele é totalmente representante de um outro século, preconceituoso com negros, patriarcal, ele olha o passado como seu maior troféu, o que em determinado ponto é verdade.
Como um outro ponto a se notar na leitura, é o sentido de destruição que atravessa vida deste homem, como uma alegoria das tradições destruídas em detrimento da evolução temporal. Eulálio sendo um representante do outro século, vê a honra familiar evaporar-se , o conceito político ir para o espaço com um dos descendentes, a juventude se imolar no apogeu das drogas e por fim vê seu tataraneto se tornar muito rico sem fazer quase nada. Aos 100 anos ele não faz um balanço destas coisas, alias quase nem raciocina somente conta, e com esse turbilhões de coisas sendo lamentadas nas quase 200 páginas seu ponto de escape é a imagem de Matilde, que era mulata coisa que ele tenta negar até o fim, possivelmente a única coisa que lhe trouxe genuína alegria.
Um livro triste, e diga-se de passagem belamente acabado em suas últimas páginas, no mínimo umas dez vezes melhor que Budapeste. Vale todo o alarde que fazem dele.

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