quinta-feira, 30 de julho de 2009

MORTE DO GOURMET, Muriel Barbery



“Na intersecção da crosta com o miolo em compensação, é um moinho que toma forma diante de nosso olhar interior,a poeira do trigo voa em torno da mó, o ar infestado pelo pó volátil, e nova mudança de quadro, pois o palato acabou de esposar a espuma alveolada libertada de sua carga e o trabalho dos maxilares pode começar. É mesmo um pão.”


Não seria exagero supor que marroquina naturalizada francesa tenha em sua cabeceira La Recherche... em edição de luxo comentada, uma amostra do que é o pequeno e poderoso trabalho que foi lançado no Brasil, enquanto Proust se contentava com a modesta madeleine, Muriel nos dá vários pratos desde a comida caseira, a sorvetes e frutos do mar e outras maravilhas, das quais confesso não ter experimentado nenhum, mas até aí você pode saborear o romance com a mesma avidez que nosso personagem nos narra pela simplicidade da história e a estrutura esperta que o faz fluir bem.
A história alias é bem parecida com a do recente Leite derramado, um homem agoniza em seu quarto esperando a morte que vai atingi-lo dentro de 48 horas, seus únicos pensamentos são uma procura para relembrar um gosto maravilhosos que é o mais perfeito que já sentira, contudo ele não consegue associar ao momento em que ocorreu, começa então uma odisséia de 120 páginas atrás dos momentos da vida dele cada um com um sabor, literalmente especial, aliado a isso está a manjada reflexão sobre a vida e resoluções que o acompanham. Mas não se enganem Muriel tem um pulso firme para fazer descrições maravilhosas como a do fragmento, e também utiliza muito humor fino para não deixar o interesse do leitor cair, então você não precisa ter um gosto culinário muito específico para apreciar o deleite.
A estrutura é esperta pois com todo o requinte do mundo, habilidade narrativa e tempo cômico ainda haveria uma grande possibilidade de torná-lo maçante, mas ao lado dessa odisséia temos vários outros personagens que conhecem o gourmet e suas perspectivas sobre a morte deste, algumas engraçadas outras melancólicas. Ela consegue mudar o jeito de escrever para tornar cada relato uma voz própria dentro do romance, tem habilidade de sobra e demonstra ser uma escritora para se acompanhar nos próximos anos, aqui no Brasil foi lançado anteriormente Elegância do Ouriço, um romance filosófico que cronologicamente é seu segundo romance, o primeiro é este, e o interessante é que os personagens são o mesmos e até o personagem a beira da morte é situado na Elegância. Criar um universo por meio de romances distintos reforça minha ideia sobre o livro de cabeceira e talvez Muriel esteja tentando levar a a apagada literatura francesa atual, em busca de seu tempo perdido. Boa sorte a ela.

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